segunda-feira, 2 de julho de 2007

Lisboa íntima

«António Costa viveu quase sempre entre o Bairro Alto e o Príncipe Real, entre a casa da avó (que hoje é a casa de Mega Ferreira), à Praça da Alegria, e «O Século», onde a mãe era jornalista. Foi por essas ruas que andámos com António Costa, lisboeta de 45 anos. O roteiro levou-o a dois locais que não visitava há anos: a última casa onde viveu com a mãe e o Conservatório, onde fez o liceu Para quem cresceu no Bairro Alto e arredores, não há como escapar ao cedro mais famoso de Lisboa: o do Príncipe Real, com a estrutura de ferro que lhe ampara mais de vinte metros de diâmetro. António Costa toda a vida veio a este jardim, um oásis no meio do casario. «Era aqui que eu vinha jogar à bola, apesar de ser proibido, era aqui que eu vinha namorar, foi aqui que o meu filho aprendeu a andar de bicicleta», conta enquanto percorre o seu lugar favorito, um jardim novecentista com turistas ao sol e reformados à sombra. E se a melhor vista for a que se tem de casa? Para Costa, é. O lugar não é glamouroso — a janela da marquise das traseiras, entre a cozinha e a casa de banho — mas o que importa é o que está lá fora: o rio, a ponte, o Cristo-Rei e os telhados, emoldurados, à direita, pela Basílica da Estrela, e à esquerda, pelo Conservatório. Não é vista de que qualquer um possa desfrutar — nem António Costa. O socialista não olhava por esta janela, num segundo andar da Rua da Vinha, há já 15 anos, desde que deixou de viver com a mãe e esta se mudou para outra casa. Foi nessa altura que a D. Cândida, do andar de cima, se mudou para o segundo. É ela quem abre a porta ao candidato e lhe desculpa o incómodo. «O menino é sempre da casa.» «Vamos lá ver se a vista é como eu me recordo», comenta Costa ao voltar à janela onde foi feliz. Sim, é uma vista magnífica. «Mas tinha a ideia de que o andar era mais alto...» A infância de António Costa tem várias ruas, das várias casas onde foi vivendo. Houve uma na Rua do Arco de São Mamede, outra na Rua do Século, outra na Rua da Alegria, mais uma na Rua de Santo António à Glória, morada da avó onde Costa viveu alguns anos — e que desde há uns anos é a casa de António Mega Ferreira, amigo e apoiante do candidato. Mas a rua que Costa aponta como a primeira onde assentou é a Rua da Vinha, onde viveu com a mãe entre os 10 e os 27 anos. A rua desce até desembocar no Convento dos Inglesinhos — edifício histórico que está a ser esventrado para se fazer um condomínio. «Agora já não há nada a lazer», lamenta Costa, que se lembra de jogar ali à bola. «O portão do convento era uma óptima baliza» e os miúdos só de lá saíam quando vinha uma autoridade que corresse com eles. «Foi a escolha mais difícil», confessa Costa. Pensou no Papaçorda, n'A Travessa, no Mezzaluna, mas escolheu o Solar dos Presuntos, na Rua das Portas de Santo Antão É um clássico da gastronomia minhota na capital, mas não só. «Tem a melhor paella de Lisboa», garante o socialista, que lá volta pelos petiscos e pela «simpatia única» com que é recebido. Se ganhar, Costa será distinguido com uma foto emoldurada, como as estrelas do cinema e do teatro? O lugar de memória é o Bairro Alto todo, que António Costa calcorreou na juventude. «Só andei de autocarro quando fui para a faculdade.» O bairro era como uma aldeia, ou muitas, que havia vários bairros no bairro. Havia a zona dos jornais, incluindo «O Século», onde a mãe era jornalista. Havia «a zona de má fama», onde António não entrava. Havia o percurso até ao Conservatório, que o socialista fez todos os dias entre 1971 e 74, numa experiência de ensino integrado que levou alunos do liceu para o meio de escalas e vocalizos. Os sons do Conservatório ainda enchem as ruas, mas já não cheira a café. A chaminé da torrefacção, no quarteirão ao lado, está lá, mas a fábrica fechou. «É das memórias mais vivas que tenho, o cheiro da torrefacção do café...» Os logradouros de Lisboa são um segredo a descobrir e Costa promete fazer por isso. Defende que alguns sejam abertos ao público e aponta um exemplo por onde se propõe começar: uma série de logradouros contíguos nas traseiras de vários edifícios entre a Rua do Século, Rua da Academia das Ciências e Calçada do Combro. São terrenos do Ministério do Ambiente, do Liceu Passos Manuel ou da Academia das Ciências, desmazelados, transformados em parques de estacionamento, campos de jogos ou coisa nenhuma. «Podemos transformar estas áreas fechadas em lugares de lazer», garante o candidato. »

Expresso, 30 de Junho de 2007