Escreveu há umas semanas Rui Ramos no Público um artigo de opinião intitulado A nomeação de António Costa. Esse artigo está disponível aqui. E contém duas falácias por desmontar que dão bom mote para uma análise eleitoral.
Falácia n.º 1 - O agradar a todos
Numa passagem do seu texto Rui Ramos, jocoso, satiriza o "circo Costa", como lhe chama, por albergar a lista de António Costa um conjunto plural de cidadãos que tocam várias áreas e sensibilidades políticas. Como a sátira tem a grande vantagem de não ter que se explicar mas usar truques e sons que produzam efeitos engraçados não se percebe bem o que pretende Rui Ramos significar. Mas suspeita-se. A ideia é velha e conhecida. E até teria piada se Rui Ramos não a contradissesse no mesmo texto.
Por um lado chama-se o "regime sujeito ao arrastão" por outro sauda-se que surja "uma oportunidade para os cidadãos" (no que aliás se convoca a 2ª falácia, mas já lá vamos).
Rui Ramos, percebemo-lo, critica por criticar. Como não explica percebemos que criticaria também a lista de António Costa caso ela fosse consensualmente partidarizada, com monopólio de nomes das estruturas locais do PS. Mas como essa crítica esperada não encontrou reflexo na realidade Rui Ramos critica esta coisa singela: que António Costa tenha trazido consigo vários nomes, de várias áreas, do sector público e privado, para a lista da sua campanha. Para ele isto é sinal de regime sujeito ao arrastão. Porquê? Não se compreende. E não se compreende porque não tem nexo. O que o leitor aqui percebe é que Rui Ramos critica por criticar, buscando mesmo os mais incríveis argumentos para mascarar o que é evidente: que António Costa, mesmo arriscando atritos no seu partido procurou fazer com a sua lista aquilo que desde cedo começou a prometer ao eleitorado: Unir Lisboa. Como creio que Rui Ramos gosta de Churchill sugiro-lhe que recupere as palavras do velho leão por alturas da formação do seu Governo de guerra e leia as passagens sobre amplas coligações e buscas de união.
Falácia n.º 2 - A oportunidade dos cidadãos
Eu não sei de que cidadãos fala Rui Ramos. Se está a apelar à ideia do cidadão mítico, esse homem que emerge impoluto da sociedade civil e qual Atlas empenhado invade o mundo da política para salvar a sociedade carregando o mundo às costas, então Rui Ramos foi mordido irremediavelmente pelo bicho romântico oitocentista. Se está a falar de Helena Roseta ou de Carmona Rodrigues é ridículo. É ridículo dizer-se que dois políticos filiados nos dois maiores partidos portugueses, com uma carreira política-partidária de longos anos, se desvinculam num dia e no outro, banhados no Jordão, renascem cidadãos, imaculados.
Sejamos pouco cínicos e hipócritas por uns instantes: nestas eleições há cidadãos, com certeza, mas todos eles têm passados e experiências político-partidárias e foi no seio de partidos que sempre disputaram as batalhas políticas, é esse o seu enquadramento. Mais, nestas eleições é essa a sua explicação: os cidadãos de que Ramos fala são membros de partidos cujas direcções não os escolheram, exercendo assim a sua liberdade. Espero pelo texto de Rui Ramos defendendo eleições primárias para a escolha dos candidatos partidários às Câmaras Municipais. A ideia agrada-me muitíssimo, confesso.
Daí que o que tenhamos hoje sejam vários cidadãos a concorrer à Câmara de Lisboa, uns filiados em partidos, mas indo até contra a esperada ordenação partidária, como Rui Ramos reconhece, en passant, pois não lhe convém à argumentação e perturba a falácia; e outros que não estando filiados (ou estando se afastaram) não são por isso menos partidários, em métodos e acções.
DF