quarta-feira, 20 de junho de 2007

Lugar ao leitor

Financiadores à força

Fontão de Carvalho, ex-vereador do Executivo da Câmara, disse para quem o queria ouvir (e para quem não queria mas ouviu na mesma numa entrevista na SIC Notícias) que a partir da decisão da ex-Ministra das Finanças - Manuela Ferreira Leite - sobre os limites ao endividamento autárquico, a única solução da Câmara Municipal de Lisboa foi começar a financiar-se junto dos seus fornecedores.
Não explicou, contudo, se terá tido o cuidado de perguntar aos fornecedores se quereriam financiar a autarquia, através do processo de transformação das suas facturas em créditos mal parados. Admitamos, por momentos, que o fez. A queles que se declararam indisponíveis para participar em tal brilhante engenharia financeira, entenda-se, que declararam não quererem "ficar a arder", viram a sua pretensão satisfeita? Se sim, quem serão os 2.500 "financiadores" a quem a autarquia deve, nominalmente, menos de 10.000 euros? E os outros, com facturas mais grossas, qual terá sido a carga de água que os levou a tal magnânime e filantrópica decisão? Gente por certo meritória, mas com uma estranha forma de vida, pois que - na hipótese inverosímil - de terem renunciado ao pagamento das mercadorias e/ou serviços entregues, se transformaram de fornecedores em dadores. Imaginam os tradutores-intérpretes fazerem letra morta das sílabas ditas mas não pagas? Será possível que os pintores tenham afirmado estarem-se nas tintas para receber? Ou que os fornecedores dos Portos de Honra tenham declarado " esta rodada pagamos nós"?
Suspeito que a verdade dos factos seja bem diferente, e particularmente dolorosa para todos eles. Em rigor, e com absoluta falta deste e de outros atributos recomendáveis para quem gere financeiramente uma autarquia, ou mesmo uma retrosaria, comprar e não pagar terá sido a decisão política do autarca, a coberto da crise mas contribuindo para a aprofundar.
Comprar e não pagar, indiferentemente do dano que tal orientação provocaria nos visados, alguns dos quais consta terem ficado de "pernas cortadas" à conta de uma insensatez gestionária e de um (agora declarado) acto de má fé.
Comprar e não pagar tem cá na minha terra (que é Lisboa), e nas terras todas da língua portuguesa, um nome: calotear.
Provavelmente oriundo do francês cullote, o substantivo calote significa dívida que não se pagou ou que se contraiu sem possibilidade ou sem tenção de pagar (in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, 2001). Calotear é, assim, a acção correspondente, e caloteiro o sujeito da acção (aquele que prega calotes). Os autores do Dicionário consultado ilustram bem o uso do termo, na citação oportuna de Urbano Tavares Rodrigues, nos Insubmissos: " Era um caloteiro inveterado e já nem se envergonhava disso".

Carlos Fogaça, Empresário